domingo, 26 de abril de 2015

Ruas e praias

Foi a mesma noite.
Em toda as esquinas
as tramas, as fascinas
foi naquela mesma noite
na mesma que agora inicia sua dança
na mesma que chamou a lua para, hoje, lhe fazerem companhia

Foi a mesma noite
que iluminou a janela dos amantes
que clareou as páginas tão preenchidas daquele ser humano que lia
que esconde na bruma as suas lágrimas

Foi a mesma noite
que permitiu ver aquele doce da sua infância
que permitiu acordar às cinco para apreciar histórias
estranhas vitórias, embaçado futuro
fugir com pensamentos
estar presente com pensamentos
presa, acorrentada, à eles
na realidade conflitante

Foi a mesma noite
que iluminou aquela praia
onde estávamos eu e você
onde estavam todos aqueles que um dia foram
que são
mais que presenças, são ausência
que faz falta e te adoram
com tamanha intensidade
que tem respeito por ti

Entre ruas e praias
ela sempre esteve ali
ela sempre foi a mesma
ela nunca deixou de existir
entre versos e areia
entre calçadas e letras

Foi esse mesmo período escuro
que iluminou a rua
onde nos topamos
e nos encontramos, virado as esquinas
vagando guiados pelos postes
pelas lamparinas
pela luz que permitia enxergar os paralelepípedos
que auxiliava na percepção dos rostos das pessoas
até perceber que espíritos junto à ti vagavam
que espíritos lhe faziam companhia
porque companhia humana era um excesso
era demais, era um prêmio que sua mortalidade não conseguiria alcançar

e, quando se deu conta
estava à vagar como eles e só assim pode perceber
o quanto vazia a rua sempre estivera
quantas letras ali faltaram
quanto sentido se perdeu
quão sem guia

Então
me afundei no meu oceano
me escondi em meus invisíveis casacos
e encarei o mundo de frestas
encarei
e mergulhei na ânsia
de retornar àquela rua
de retornar àquela areia
naquela casa inventada
naquela história inventada
onde, um dia, ela pode ser
apenas
ela.

domingo, 5 de abril de 2015

Preenchimento

Então a gente tenta pela milésima vez escrever sobre aquilo que parece não ter coerência, sentido, ou o mínimo de senso racional. Ou, simplesmente, não é assunto a ser debatido. E, pela milésima vez, tenta encontrar nos pedaços retalhados a essência de alguém que foi apenas uma porta fechada, uma lágrima escorrida, uma tristeza consumidora de todo e qualquer tecido; não havia órgão que resistisse. As mesmas coisas ainda a irritam. As mesmas histórias ainda persistem e sem previsão de alterarem bruscamente como ela um dia imaginou que mudariam como a mais incrível metáfora que se possa imaginar, metamorfose inexistente na realidade. As lágrimas ainda rolam, talvez mais por dentro que por fora. Ela teve que aprender a exteriorizá-las para não implodir. Mas aquelas feridas gigantes tiveram forçadamente que serem reduzidas ou tampadas para que a vida pudesse dar sequência. Ela precisou de menos desabafos, mais entendimento, mais ignorar aquilo que não tinha solução em vista e simplesmente aprender. Aprender tantas coisas quanto não havia aprendido em tempos, a conviver com essa vazia existência que os seres humanos possuem, quer queira, quer não. Perceber a tela em branco que era e aprender a decidir, escolher, conhecer e saber o que poderia preencher essa sua tela em branco, esse seu livro não preenchido, com o mínimo de cor possível, mesmo que elas fossem preto e branco ou sépia. Sem distinção, desde que fosse uma cor, um algo para chamar de seu, um motivo próprio pelo qual lutar nos dias em que tudo o que deseja é cair em sono profundo e só acordar quando os cientistas descobrirem a essência da existência e libertarem ela de sua jaula para a encontrar, sem lembrar que - dizem - ela está em um único lugar primordialmente e nas coisas que preenche aquelas folhas em branco.