domingo, 15 de maio de 2016

Desaprendi a escrever e outras coisas

As palavras não saem mais da mesma maneira. E isso pode ser bom. Os dedos que agora digitam refletem uma cor diferente em suas unhas. A definição de bom, correto ou adequado é tão relativa que, muitas das vezes, nem nós mesmo conseguimos especificar - nós, as principais testemunhas desse julgamento. As palavras há muito buscam abstração, metáforas sem sentido, analogias ruins. O fluxo se perde nos neurônios e nem sempre consegue se expôr. E talvez isso possa ser bom. Podem preencher essas linhas com suposições, as afirmações voaram com as minhas nuvens porque as roupas foram jogadas pela janela. Eis mais uma abstração ruim. A verdade é que nós desaprendemos de algumas coisas para buscar outras, para buscar um algo. Não falarei no plural porque não sei pelos outros - e nunca soube. Mas estou em busca de um grande talvez, vários, e eles podem estar onde menos esperamos. E preciso aprender a enxergá-los, limpar as lentes já tão manchadas por filtros que eu mesma criei a partir do que me circundava. Quero os meus filtros, incertos, recebidos por corujas e embrulhados em embalagens de papel. Quero mundos novos para talvez encontrar outros que me sirvam. Metade dos escritos não tem explicação, a outra metade me esqueci qual é. Inventei suposições e as defini como verdades, mas já não quero mais me ater às ações passadas. Eis um caminho pela frente, e dessa vez vou tentar manter as lentes mais limpas. Não sei detalhes, nem quero definições. Hoje à noite sou palavras extasiantes, sou perguntas. Desaprendi as coisas que achava saber e hoje apenas sou, despida, uma pele a ser desenhada com marcas colecionadas. Hoje à noite sou o olhar de um fotógrafo ao ligar a câmera. Eis o mundo, e ele o enxerga da sua maneira.

Sem título


sábado, 14 de maio de 2016

Hiato comigo

O fôlego curto solta uma brisa
que invade a planta
ali, naquele canto
carregando seu frescor
ela tenta escrever
tenta falar, e fala
mas a única a lhe escutar
é a mesma que embeleza o concreto
e senta
e repete todo o processo
de novo
buscando fazer o que imagina nos momentos propícios
e sonha com a varanda sossegada
vazia de quem só traz lágrimas

Grande Grito

A cada dia uma morte lenta
e fria
e crua, tão nu corpo
transparecia suspeitas de adeus
falso, encobertado
por dores
suportadas com coragem
numa estrada de ladeiras
que desce rumo
ao acostamento
e passa da lista
da pista
do alinhamento estabelecido
parâmetro não acolhido
força e engomado
até o grande grito
suspiro

terça-feira, 10 de maio de 2016

Nitidez

Por favor arranquem-me essa carcaça
me escondam os cadernos
os papéis e todas as canetas
apaguem as memórias
digam adeus ao filme
rebobinem todas as fitas
desfaçam as malas
venham me despir
e abrir as janelas