sexta-feira, 31 de julho de 2015

Amarras

Nós mesmos nos aprisionamos.

Delimitamos nossas capacidades, nossos almejamentos, até mesmo nossa vontade fica abalada pela perspectiva de quão longe está ou quão difícil será. E o cansaço de cada dia, dos seus trabalhos, complementa isso.

Nos limitamos, impomos correntes e passamos o cadeado: pras nossas ideais, pros nossos tempos livres, pra nossa imaginação. E assim levamos com a barriga toda uma vida de empurrões. De começos sem um término concreto ou simplesmente sem uma conclusão significativa. Fica ali, pairando entre as milhares de ideias, de planejamentos, de aprisionamentos estabelecidos em áreas onde poderiam não ocorrer. Ou de vontades descartadas na sua lixeira aí ao lado.

São tantas metades inacabadas.

São tantas história começadas, rascunhos nas gavetas, no caderno, na alma. Ausência de objetivos completos que completem a você. Que o façam acordar todos os dias, calçar os chinelos e escrever a redação do jornal do dia ou atender seus poucos pacientes que pagam uma fortuna pela sua consulta. Cada qual com seus meios, seus receios, sua poesia de vida. Ou cada qual com a falta dela com valores que incluem o super-consumismo, o autoflagelamento ou o abandonamento de si mesmo.

Alguém em uma escrivaninha escreve entre o abstrato e o concreto pra mostrar que ambos se complementam e que o que faz as calçadas, os carros e o seu dinheiro, ou seja, a sua realidade, é abstrato e só existe porque algo concreto cedeu lugar à poesia de desenhar com linhas imaginárias o sentido mais real pra cada detalhe que passa pelo seu dia.

Sem título

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Explosão

Ela desejava ter nascido quando liam-se as letras das músicas nos encartes dos CD's e não pelo vagalume ou pelo letras. Quando liam ou encontravam amigos pessalmente ao invés de fazer amizade com pessoas virtuais que vivem distante de você. "Vou ali na casa do..."

É bom conhecer mais do que um pequeno círculo limitado pela região onde você se encontra. É bom ter acesso á informações. Mas ela queria experimentar viver quando liam o jornal em papel. Quando conversavam mais face a face do que por mensagens que lotam seus minutos. E os outros não entendiam que ela queria, mas não daquela forma: queria lhes falar sobre os últimos filmes que assistiu e saber como estava, mas não tão distante - a menos que você esteja distante.

Ela começou a perceber quanto o tempo estava sendo queimado como chamas sobre combustível. O quanto voava e cada segundo era tudo, tão precioso. E a guria estava certa, é mesmo. Mas para ser vivido e não empurrado com a barriga por aquela sua dor de cabeça insistente que vem desde a semana passada. Ou pelas determinações de planejamentos que nunca saem do papel mas visam sustentar a si.

Ela explodiu em fibras que escondiam o que ali estava oculto. Todos seus medos e anseios que não eram revelados nem pra pessoa mais próxima. As vontades de fazer coisas que nunca fez seja por qual motivo for. Suas dores inúteis voaram e as necessárias ficaram pra ela ter um incentivo nessa luta que encontra contra si mesma onde ser ela mesma era um problema a ser resolvido com uma boa dose de palavras duras, falta de compreensão e falta de si mesma em um sistema de robôs.

Ela queria algo que nem a mesma sabia ao certo. Mas sabia o que não queria. E sentia alguma imaginação se transformando em lágrima. A menina cansou e foi se deitar pra ver se a dor passava e no dia seguinte recomeçar tudo de novo, tão perdida quanto no dia anterior, entre leões.

sábado, 18 de julho de 2015

A melancolia de Viktor Frankenstein

Livro: Frankenstein | Autora: Mary Shelley

Ponho-me a escrever nesta tarde sobre o livro "Frankenstein", de Mary Shelley, o qual nos mostra até onde vai a curiosidade de uma pessoa, e mais ainda aonde os seus objetivos podem levar. Não que eles levem à um lugar ruim ou arruinador sempre (como os de Viktor Frankenstein o levaram) mas que, mesmo o que parecia impossível e inacreditável, ele conseguiu realizar. É uma obra que deixa perguntas e lembra a seguinte frase: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas" (O Pequeno Príncipe), o que pode ser percebido pela culpa que Viktor se impõe, sabendo que foi resultado de suas mãos o monstro que cometera tamanhas atrocidades.

Sobre tal criatura, podemos ressaltar a sua dupla personalidade e sua história. Como a própria diz, poderia viver longe de todos e deixá-los em paz se lhe fosse concedido o que desejava; não sendo, iria se vingar e foi exatamente o que fez. Quanto ao seu criador, tinha todas as oportunidades e formas de ter uma ótima vida, não havia tragédias nem consigo nem com sua família, até a criação ser finalizada. Contudo, consolidou certo dia um tremendo erro, fazendo aquilo que seria a causa do seu infortúnio até seus últimos dias de vida, mergulhando-se em enorme melancolia e estado depressivo, vendo seus amigos e familiares mortos pelo resultado de seu próprio trabalho, de sua própria curiosidade. É realmente atormentador.

Há um ponto intrigante: sendo o Frankenstein feito com a base humana, como reprodução de uma vida, então as pessoas podem ser boas ou más dependendo de quem lhes atrapalha? Dependendo de suas vontades serem realizadas ou não? Dependendo dos seus conceitos quanto ao dever que o outro tem consigo? São perguntas que ficam no ar pelo livro. Minha interpretação e hipótese é: o Frankenstein foi uma criação na forma bruta. Precisaria viver, como ele mesmo disse, não possuiu uma infância, uma família, os primeiros contatos, não construiu uma personalidade. É um estado puro, como um diamante bruto, como qualquer objeto que não foi preparado, e é isso que o ser humano pode ser, é isso que o ser humano é na sua essência inicial. A diferença, tamanha diferença, entre um ser humano e a criatura quanto a isso é que esse estado bruto inicia-se na infância, nos primeiros meses e anos, onde se vai aprendendo, com as experiências iniciais e principalmente por toda a adolescência. É aí o foco e a consolidação de toda formação base do caráter e de si. Para Frankenstein, seu pedido não sendo aceito, ele tinha todo o direito de infernizar até o último dia a vida de seu criador, mesmo alegando, no final, ter feito com o coração partido e machucado, e tendo sentido mais que o próprio, sofredor de todas as desgraças.

Uma tentativa de reproduzir um humano que fracassou. Mesmo conseguindo estabelecer uma linha de pensamento, sendo lógico, não usou a razão para pensar e seguiu na maioria das vezes seus instintos.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Citando - Clarice Lispector, Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres

"choro mudo sem som algum até para ela mesma,"

"pois viver afinal não passava de se aproximar cada vez mais da morte,"

''mas nada se passara dizível em palavras escritas ou faladas,"

"- queria poder continuar a vê-lo, mas sem precisar tão violentamente dele."

"Encontrar na figura exterior os ecos da figura interna:"

"um corpo é menos que o pensamento [...] sua condição pequena não a deixaria fazer uso da liberdade."

"uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de"

"Talvez fossem os seus 'apesar de' que, [...] cheios de angústia e de sentimento de si própria, a estivessem levando a construir pouco a pouco uma vida."

"A mais premente necessidade de um ser humano era tornar-se um ser humano."

"Há uma maçonaria de silêncio que consiste em não falar dele e de adorá-lo sem palavras."

"Só com Ulisses viera aprender que não se podia cortar a dor - senão se sofreria o tempo todo."

"que ela queria morrer talvez ainda toda inteira para a eternidade tê-la toda."

Coisas estão sendo empilhadas, armazenadas, ocupando espaço onde deveria haver apenas o essencial. Álbuns musicais demais, listas e mais listas de livros pra ler/comprar, filmes, séries... coisas demais que um dia defini como "necessário" porque achei que fosse. E talvez não sejam.

Não há um padrão pras coisas. Muito menos eleição de melhor ou pior, exceto por pessoas com criticidade aguçada, que é o que almejamos. Todavia, vamos pelo gosto, pelo momento, pela vontade. e, também, pela razão de achar que aquilo pode ser bom. Tomo como parâmetro pessoas e a partir delas as infinitas listas se fazem, mas não precisa ser feito/lido/visto tudo e muito menos até o final do mês.

Quantos livros já gostei - mesmo dos poucos lidos - porque achei que fosse interessante. Às vezes é preciso fazer um esforço, mas não em todos os momentos. Conhece e vai um tanto por ti: eu acho que vai ser bom? beleza. Acho que é mais ou menos, mas pode valer a pena? vou ao menos tentar. Acho que não me apetece, mesmo que só agora? deixa quieto. Um dia pode ser bom e antecipar isso forçadamente pode prejudicar a experiência.

Tudo isso é pra ter a sensação de respirar tranquilamente ouvindo aquela música que você gosta sem precisar ficar lembrando de todos os discos de todas as bandas. Ler o livro que está na sua mesa e assistir às suas séries, filmes, animes, por querer acompanhar a história com a mesma vontade com que pessoas acompanham religiosamente suas novelas de cada dia ou o jogo do domingo. Saber o nome dos personagens ou da rua ou o nome do álbum é parte do processo. Fazer a escolha conscientemente, se é entretenimento ou vai acrescentar algo a mais, e aproveitá-la é a causa.

becoming jane



quinta-feira, 16 de julho de 2015

Paredes descascadas


Meu mundo, seu mundo. De um lado uma parede, no vértice imperfeito o encontro de submundos. De existências inexistentes na eterna antítese recorrente pelo "mero" bater do coração, impulsos nervosos, respiração. Um todo, um único organismo a vagar perpetuando suas inconstâncias que palavras simples e aquelas que simples-mente saem pelos poros da epiderme. Bambo entre a realidade e sua doce e cruel ficção. Entre seus preciosos e suas alucinações. Entre uma deliciosa comida, companhia, e a entrega ás aspas, aos colchetes, aos detalhes das suas "pequenas" coisas, dos seus amores, da poesia não combinada; ou ao ponto final, apesar da subjetividade em tudo (pobre ponto),

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Olhos de ressaca

Livro: Dom Casmurro | Autor: Machado de Assis

Pelo que se sabe por alto sobre a história, é que Betinho acredita que Capitu o traiu. E que isso não é respondido no livro. E eis a grande questão.

Dom Casmurro conta o romance de Bento Santiago, o Bentinho, e Capitolina, mais conhecida como Capitu. Relata a relação deles desde a infância até um determinado momento de suas vidas. A mãe de Bentinho fez uma promessa de dar um sacerdote à Deus caso seu segundo filho nascesse. Juntamente à isso, José Dias, o agregado, suspeita de Bentinho e Capitu. Assim começa o tormento primeiro de Bento, enquanto ainda jovem, com seus quinze anos, tanto por parte da denúncia de José Dias, quanto por ele ir para o seminário, o que não deseja.

Bentinho vai para o seminário, com uma promessa entre ele e Capitu: que hão de casar somente um com o outro; e, felizmente, o mesmo consegue se livrar da promessa da mãe: era dar um sacerdote, que não necessariamente precisaria ser Bentinho, mas qualquer outro. Assim, faz-se feliz a ele, a Capitu, a própria mãe, e aos próximos como José Dias e seu grande amigo Escobar.
Durante todo o livro há momentos em que ele desconfia da Capitolina. Porém, o tão comentado ciúme só vem pelas últimas páginas.

Minhas considerações:
O próprio Bentinho acha que existe algo entre ele e a esposa de Escobar. Ele afirma que seu filho, Ezequiel, não é seu mas sim de Escobar devido à enorme semelhança. Mas no início do livro comenta-se a semelhança de Capitu com a mãe da esposa de Escobar, a Sancha, e não há relação de traição para terem sido parecidas. Primeiramente achei ser alucinação de sua cabeça. Mas depois de, no próprio livro, ele relembrar a semelhança da mãe de Sancha e Capitu, ficou meio perdido se foi mesmo traição ou não. Mas, a propósito, não me pareceu ser.

PS.: A série que a Globo fez inspirada nessa obra literária possui uma incrível música da banda Beirut chamada Elephant Gun.

domingo, 5 de julho de 2015

Metamorfoseando

Livro: A Metamorfose | Autor: Franz Kafka

"Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado numa espécie monstruosa de inseto."


Assim começa o primeiro capítulo de A Metamorfose, livro tão aclamado do Franz Kafka. Gregor Samsa acorda certo dia em forma de um monstruoso inseto. Aprisionado em um corpo que não era o seu, com limitações e dúvidas do que havia acontecido. Tal fato muda toda a dinâmica da família pois seu pai, já aposentado e com dificuldade de se locomover precisa recomeçar a trabalhar e sua irmã também, juntamente da mãe. E, admito, até pouco tempo após terminar a leitura não sabia qual era o motivo pelo qual a história tinha tanto reconhecimento até que me deparei com a sinopse da edição (a comemorativa de 100 anos da publicação original): "Sua obra literária [se refere à Kafka] é marcada essencialmente por romances e contos e que destacam o homem angustiado, obrigado a levar uma vida aprisionada: o homem desesperado em relação à própria existência." É o relato de um aprisionamento metafórico que o força a sair dos seus costumes e sentir como é estar apenas ligado a si mesmo, não a um corpo, não ao seu trabalho. Ligado à algo novo que nem ele sabe o que é, sendo forçado a sair da sua rotina ocupada focada no sustento da família e no futuro da sua irmã.


A forma como os membros da família lidam com o acontecido é diferente e não sei dizer se é assustador ou como era de se esperar. A irmã continua o considerando como irmão e é quem cuida dele. A mãe fica a beira de um ataque de nervos (e uma hora tem um) e o pai passa a impressão de não ter mais filho, principalmente quando consegue trabalhar e é como se não precisasse mais do sustento do filho, então ali ele havia morrido pra ele. Após um tempo é como se ele deixasse de existir. Desde o início Gregor, já metamorfoseado, é tratado com espanto e escondido, trancafiado.

Podemos analisar, ainda, a forma como uma mudança pode trazer consequências. No caso Gregor se transforma em um inseto monstruoso, mas se colocarmos outras mudanças que ocorrem ao longo da vida, como se a pessoa saísse do seu aprisionamento. O metamorfose pode ser vista tanto como um aprisionamento em que ele se coloca ao se transformar quanto uma libertação quando isso acontece.

Há no youtube uma adaptação que, a propósito, deixa muito estranha a representação do Gregor, que aparece com feições humanas e sem sequer uma crosta em suas costas. Por isso, algumas imagens definem melhor o ambiente (que, nelas, é mais estranho do que imaginei):



Eis a questão: quando Gregor morre na história? Pra quem já leu, eu especifiquei três momentos possíveis de ter sido a morte dele: quando se transforma em inseto, quando começa a agir como um, ou após o acontecimento do final do livro?

Falar sobre esse livro ao olhar as imagens é embrulhar o estômago.

Fonte das imagens (na sequência):
1: http://publicamente.org/2015/02/25/a-metamorfose-de-franz-kafka/
2: http://www.posfacio.com.br/2011/07/03/meia-palavra-explica-a-metamorfose/
3: http://www.laparola.com.br/a-metamorfose-de-franz-kafka-a-realidade-social-contemporanea